Na última semana, as redes sociais foram inundadas com um vídeo inusitado e divertido que tem ganhado repercussão internacional. As freiras paranaenses Marizele Rego, 46, e Marisa Neves, 41, deram um show de carisma e desenvoltura ao mostrar para o mundo as suas habilidades na arte do beatbox e da dança.
O momento foi registrado no dia 20 de maio, durante a exibição do programa religioso Família de Amor, na TV Pai Eterno, onde as freiras divulgavam um retiro vocacional em Goiânia (GO), mesmo local da gravação. Em entrevista ao Portal Bonde, nesta quarta-feira (28), a dupla falou sobre vocação, religiosidade, memes e a inovação do catolicismo.
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A performance das duas foi replicada múltiplas vezes e alcançou um patamar viral na internet, com perfis de famosos e os principais veículos de imprensa do país noticiando o ocorrido. Entretanto, a fama conquistada por Marizele e Marisa não terminou na fronteira brasileira, estendendo-se a outros países, como Estados Unidos e Inglaterra, respectivamente, no programa Today - exibido pelo canal NBC - e pela BBC News.
Até mesmo a atriz vencedora do Oscar Viola Davis entrou na história e brincou com a situação ao referenciar o clássico filme "Mudança de Hábito", estrelado por Whoopi Goldberg, comentando o nome falso adotado pela personagem de Goldberg para se passar por freira na trama do longa. Até a publicação desta reportagem, o post de Davis anotava 4,3 milhões de visualizações. Goldberg também aprovou a performance nas redes sociais.
Da rotina comum à vida de celebridade
Alçadas à fama da noite para o dia, as irmãs - no sentido religioso - falaram à reportagem sobre a ascensão astronômica do trabalho que fazem. Para Marizele, o segredo está na simplicidade e na naturalidade da ação. Segundo ela, a espontaneidade "traz uma luz de originalidade", até mesmo pelo ineditismo da dupla - que antes do sucesso se apresentava separadamente - em uma época onde todos buscam fingir para viralizar.
"Para nós, foi uma surpresa. É como se aquilo que fazemos e vivemos fosse tão simples, natural e singelo como qualquer outro. Eu já cantei beatbox em outros momentos e a irmã Marisa sempre dançou, mas nunca fizemos dupla. Talvez esse momento, agora, seja até para dizer que as pessoas estão com sede dessa naturalidade, de uma singeleza. Não fazer questão nenhuma de viralizar acabou fazendo viralizar", pontuou.
O casamento inusitado entre igreja, beatbox e dança é uma das razões para todo esse sucesso, pois a visão de "uma freira fazendo beatbox e outra dançando é algo diferente", podendo ser essa a razão para "as pessoas se impressionarem", deduz Marizele.
Igreja descontraída
Comumente ligada a conceitos mais sóbrios, sérios e ritualísticos, Marizele comenta sobre o outro lado da igreja, mais descontraído, que permite uma conexão com o bom humor e as piadas.
"Eu acho ótimo [os memes], mas aqueles com respeito. Mas acho super criativo e legal que as pessoas realmente estão gostando. Nós entramos [justamente] na questão dessa igreja em saída [que vai aos fiéis], que foi o que o Papa Francisco desejou e, antes dele, João Paulo II, pedindo para que a igreja fosse criativa", relembra.
Esclarecendo a diferença entre religiosidade e espiritualidade, Marizele destaca como esses são conceitos distintos e, na vida religiosa, há momentos em que o mundano deve dar lugar ao rito, respeitando a divindade de Deus e os protocolos do catolicismo, enquanto mantém a liturgia das orações.
"Não podemos confundir religiosidade com espiritualidade. Religiosidade é algo maravilhoso, tem todo um ritual, uma liturgia e profundidade. Acredito que o Espírito Santo em nós, enquanto copiosos da redenção, [na espiritualidade], é esse movimento do novo. Não deixamos de praticar nossa liturgia ou ritual, que é importantíssima."
Origem paranaense e vocação
As duas freiras são naturais do Paraná. Marizele nasceu em Assis Chateaubriand (Oeste) mas viveu a maior parte de sua vida em Umuarama (Noroeste). Já Marisa nasceu e cresceu em Mamborê (Centro-Oeste). Após a notoriedade ao som da música "Vocação", a reportagem questionou as irmãs sobre a origem de suas próprias vocações e as razões que as motivaram a escolher uma vida dedicada a Deus.
Marizele afirma que a razão do seu chamado foi o diagnóstico de câncer da sua mãe, quando - ainda com 19 anos e já formada em Medicina Veterinária - entregou sua vida a Deus após jurar que seguiria o caminho vocacional, caso sua mãe fosse salva.
"Meu pai chegou até nós e nos contou tudo. Me questionei: 'Como assim? A medicina está tão avançada e não existe uma cura para isso?'. Fiquei com a frase do médico na cabeça. Ele disse: 'Se vocês acreditam em Deus, só Ele'. Nesse momento, lembro de ir à igreja e falar: 'Senhor, muda todas as células cancerígenas da minha mãe, cura ela [SIC] e serei sua'", detalha. Ela destaca que após esse evento sua mãe teve uma abrupta mudança de laudo, algo crucial para a sua devoção e conversão.
A história da "irmã dançante" é similar. Entretanto, diferentemente da sua colega de congregação, Marisa sempre sentiu uma "emoção" ao estar na presença de membros do clero.
"Meu chamado se iniciou ainda quando eu era apenas um bebê. Tenho uma irmã gêmea e, quando nascemos, eu era mais 'doentinha' que ela. Nossos pais nos levaram até um padre, que abençoou a gente, falando para eles [meus pais] que Deus tinha sido generoso e, agora, eles [também] deveriam ser generosos com Ele. Aos 18 anos, tive uma experiência com a Virgem Maria em um retiro, onde ela me disse para seguir o filho dela e ser toda dele. Com 23 anos, em 2007, entrei na congregação e, agora, estou há 18 anos vivendo essa vida", relembra Marisa.
Dança movimentando corpo e fé
Ao demonstrar seu "passinho", Marisa mostrou ao mundo uma paixão que carrega desde sua infância, quando ela e sua irmã - biológica - dançavam em casa. Os movimentos repetidos de clipes e coreografias logo se aprimoraram com aulas de balé, street dance, hip hop e outros. Um amor que não se desperdiçou no convento e serviu como combustível para o desenvolvimento de projetos sociais com crianças e adolescentes, ensinando toda a sua bagagem rítmica para uma nova geração.
"Sempre amei dançar. Antes de entrar no convento eu participava do ministério de dança do grupo de jovens da igreja, lá em Mamborê. Depois, quando entrei no convento, tive a experiência de fazer trabalhos sociais com crianças e adolescentes, com projetos de aulas de dança, sapateado, hip hop, break, todos esses estilos", descreve com entusiasmo.
Admiradora da banda Missionário Shalom e do cantor Diego Fernandes, Marisa continua deixando seu corpo "falar mais alto" ao som de "músicas animadas". "Sempre que vou a um grupo de jovens ou a algum evento que tem essas músicas, acabo entrando na dança", disse.
Rotina no convento
Longe dos holofotes, algo muito valorizado e cultivado pelas freiras é a rotina. Com horários marcados para orações e celebrações, a vida dedicada a Deus é organizada e disciplinada. Acordando logo pela manhã para rezar, as freiras estruturam o cotidiano com base no serviço religioso e nas suas artes.
"As Laudes - primeiras orações do dia - iniciam-se às 6h da manhã. Nós vivemos justamente para estar com Cristo, então, cultivamos bastante tanto nossa oração pessoal quanto a comunitária. Como somos irmãs da Copiosa Redenção, além das orações comunitárias, fazemos nossa adoração diária e individual ao Santíssimo Sacramento, na capela, por uma hora. Todas fazem isso. Mas existem momentos que saímos para vivenciar missões em retiros. Eu continuo nessa missão nas redes sociais e assim vamos evangelizando."
O mundo está gostando, mas e a igreja?
Por um lado, a população tem abraçado a inusitada junção, celebrando com alegria e bom humor a mistura, mas qual é a visão interna da igreja sobre o ocorrido, dentro do círculo religioso e pelos membros do clero?Longe do Paraná desde a gravação do programa no dia 20, as duas ainda não se reencontraram com suas colegas e a comunidade da diocese para descobrir presencialmente essa resposta.
"Ainda não voltamos para o Paraná, estamos em São Paulo. Mas muitos artistas católicos e padres têm apoiado e falado: 'Olha irmã, obrigado. Vocês têm representado a Igreja Católica de uma forma tão leve, alegre e acolhedora'. Temos recebido muito apoio da nossa igreja, até mesmo porque somos a igreja. Estamos levando aquilo que aprendemos dela", reforça a "irmã do Beatbox", Marizele.
*Sob supervisão de Bruno Souza
Veja o vídeo viralizado abaixo:
Conheça mais sobre as freiras na reportagem abaixo:
